sábado, 30 de abril de 2011

E se

ao invés de separadas estivéssemos juntas aqui agora? Seria estranhamente bonito vê-la perto de mim ao luar do dia 17 que tende a vir com uma lua cheia ludibriante e meiga. Você me tocando devagar e a cada arrepio um beijo de leve pra levar todos os meus problemas para o espaço. E a cada toque um novo sentimento, a cada dia uma nova perspectiva e a cada ano um amor diferente pela mesma pessoa. Todas as vezes que juntas estivemos sem nem ligar se haveria amanha valeram e valerão como eternidade na minha constância inconstante. Todos os fortes cairiam por um amor como esse, cairiam se soubessem que amar você e totalmente fácil e o melhor, não dói. Eu não preciso me doar para você, eu não preciso porque já sabes que sou tua. Já sabes que a ti me entrego hoje e amanha. E se tudo que imagino hoje viesse a acontecer amanha? O mundo viraria o caos da perfeicão e estaríamos reclamando de ter tudo e quereríamos ser aqueles que nada possuem. Se hoje você ao menos acordasse me dizendo o quanto sentiu a minha falta, se fosse simples assim voltar tantos meses estranhos e felizes por um ultimo momento de prazer. Mas, e se estivéssemos ainda juntas? Seria tao vazio quanto penso que seria? A cada lembrança me perco no teu esquecimento, na tua desavença, na tua indelicadeza e frieza ao me entregar um abraco qualquer. E agora escutando a nossa musica eu vejo o quanto foi fácil fazer isso funcionar por tantos anos, tantos anos frios, escuros e longos. E vejo mais uma vez como somos boas juntas e me perco tentando achar o motivo de ir e voltar tantas vezes com o mesmo amor já desgastado e tao simples e bonito. Eu não preciso de você. Podes ir e não sentirei sua falta. Você deixou um amor tao grande em mim, capaz de me manter por uma eternidade. Obrigada por sempre estar ao meu lado e me fazer tao bem a cada beijo e a cada palavra dura dita com voz meiga e suave. Estive por muito tempo procurando e querendo quem jamais seria meu e me esqueci do amor que sempre tive, este imutável e duradouro. Este que não exige, não reclama, que briga mas se acerta e compreende ambos os lados da obscuridão dos sentimentos. E se eu te disser que com você a vida faz mais sentido e as alegrias sao mais felizes? Você diria que me quer para todo o sempre?


Amanda Werkheiser Carvalho Mello de Souza, 02/02/2007

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Cedo ou Tarde

Devias saber
que é sempre tarde
que se nasce, que é
sempre cedo
que se morre. E devias
saber também
que a nenhuma árvore
é lícito escolher
o ramo onde as aves
fazem ninho e as flores
procriam.

Albano Martins

Forte

Hoje, que a muito estou apartada,
vejo os motivos pelo qual eu
realmente tenho que continuar forte.

Forte e não com sorrisos falsos.
Forte como quem perde tudo
e ainda sim consegue ser otimista.

Ser desses que se resolvem
e resolvem os problemas dos outros,
esses que derramam uma lagrima de felicidade
de quem já não conseguia nem mais rir.

Ser forte, desses que fraquejam pela pessoa que ama.



Faça os gestos certos,
o destino vai ser teu aliado,
ouço uma voz dizendo do fundo mais fundo do passado.

Hoje, não faço nada direito,
que é preciso muito mais peito
pra fazer tudo de qualquer jeito.

Ai do acaso, se não ficar do meu lado.

paulo leminski

sábado, 16 de abril de 2011

Teatro Popular

Acho que não saberia representar tao bem outro papel senão o meu de ser quem eu sou. Tanto tempo em cartaz que já sei de cor todos os pontos onde melhorar e tudo o que a critica tem pra dizer. Toda essa plateia inconstante, que me acompanha, faz do espetáculo algo cada vez mais deslumbrante. Esse escarcéu descontrolado de idas e vindas, pobres atores contratados para contracenar num papel tao miserável, cujas cortinas podem fechar-se a qualquer instante, começam a me incomodar.
Doce ilusão de se apresentar tantas vezes ao ponto de não precisar mais ler o roteiro! Nesse teatro ludibriado vou levando a arte de saber o que eu sou através de criticas deslavadas publicadas na folha de um jornal qualquer no dia seguinte a encenação. Dizem que o bom artista se apresenta sem preocupar-se com criticas, mas ha falhas nesse pensamento. Como se aperfeiçoar sem um toque de um outro alguém?
E num alter ego de mim mesmo vou juntando os meus pedaços e jogando pelo acaso afim de alcançar um visionário qualquer do teatro municipal. Mas que desgraça, enquanto me apresento no meu teatro popular num papel miserável e secundário, na vida que se intitula minha, vem um pobre animal e se joga as tracas afim de chamar toda atenção; atenção que era minha.
E as luzes se fecham no animal que se contorce todo tentando conseguir mais atenção a cada grito, mas no final ele morre. Foi um desejo tao grande de ter toda atenção que ele se esqueceu que se jogou as tracas. A luz então se fecha, fade out. Começa outra historia dentro de uma vida toda minha. Demora, mas ela chega mansa com outros personagens diferentes e façanhas novas para virarem historias.
Nesse teatro louco e ludibriado vai criando-se historias do acaso e caso eu me junte a ser quem sou nesse momento eu jamais saberia a dor de fecharem as minhas cortinas.

sábado, 2 de abril de 2011

A Arte do Esquecimento

TALVEZ O MAIOR pesquisador na área da Memória nos últimos 50 ou 60 anos, James McGaugh, da Universidade de Califórnia em Irvine, num livro publicado em 1971, apontou que "talvez o aspecto mais notável da memória é o esquecimento" (Harlow et al., 1971).

De fato, esquecemos a imensa maioria das informações que adquirimos. Todos reconhecem que a infância é o período mais importante de nossa vida, porém, se nos convidarem a relatá-la, nenhum de nós levaria mais do que umas poucas horas. O médico que mais sabe sobre Medicina poderá expor tudo o que sabe também, no máximo, em poucas horas. A maioria de nós lembra com detalhes o que estava fazendo, onde e com quem, no momento em que morreu Ayrton Senna; ninguém se lembra do que aconteceu 24 horas antes ou depois. A morte do Senna é uma memória altamente emocional, que recordaremos sempre porque foi gravada de maneira indelével (ver comentário no final deste artigo); as memórias do dia anterior e do dia posterior correspondem a memórias inexpressivas, que logo esquecemos para sempre.

Há várias razões e mecanismos para isso. Para começar, os mecanismos da memória se saturam (Izquierdo, 2002). Para continuar, Jorge Luis Borges, num conto chamado "Funes o Memorioso", demonstrou, pelo absurdo, que lembrar tudo é impossível. O personagem, Funes, pode lembrar até o último detalhe um dia inteiro de sua vida, mas, para fazê-lo, requer outro dia inteiro de sua vida, o que é impossível (Borges, 1943).

De fato, é necessário esquecer, ou pelo menos manter longe da evocação muitas memórias. Há muitas que nos perturbam: aquelas de medos, humilhações, maus momentos. Há outras que nos prejudicam (fobias) ou nos perseguem (estresse pós-traumático). Em razão do problema da saturação, existem memórias que nos impedem de adquirir outras novas ou adquirir outras antigas, mais importantes (por exemplo, como fugir em uma situação de medo).

Borges, em seu conto, aponta que Funes era "incapaz de esquecer para poder pensar, (pois) para pensar é necessário esquecer (detalhes) para poder fazer generalizações".

Formas de esquecimento

Há várias. A mais estudada é a extinção, à qual dedicaremos algumas linhas a seguir. Outra, popularizada por Freud, é a repressão, talvez vinculada com a anterior. Existem memórias que não ultrapassam poucos segundos, e ficam na memória de trabalho. Outras não ultrapassam a memória de curta duração (e não ficam na memória de longa duração). Outras memórias duram poucos dias e depois desaparecem. Por último, há o esquecimento real: memórias que desaparecem por falta de uso, com atrofia sináptica.

Extinção

Descoberta por Pavlov há mais de um século, a extinção se deve à desvinculação de um estímulo condicionado do estímulo incondicionado com o qual tinha se associado e gerado uma resposta aprendida; o estímulo passa a se vincular com a ausência desse último estímulo. Por exemplo, se associamos uma campainha (estímulo condicionado) com um choque elétrico (estímulo incondicionado) e com isso se gera uma resposta de flexão, e passamos a apresentar à campainha isolada, sem o choque, essa aos poucos irá se associando com a falta de choque e a resposta de flexão será suprimida. A campainha deixa de sinalizar um choque; passa a sinalizar que não virá mais um choque. Se vamos todos os dias a um guichê onde recebemos dinheiro, e a partir de certo dia lá não nos dão mais dinheiro, associaremos o guichê com a falta de dinheiro.

Isso tem um tremendo valor adaptativo, porque nos impede de insistir na realização de comportamentos (ou em manter pensamentos) que já não se ligam mais com a realidade. A partir da última série da escola, não precisamos mais nos lembrar daquele professor de aspecto feroz...

A extinção foi muito estudada em nossos laboratórios. Depende da ativação de receptores glutamatérgicos NMDA (N-metil-D-aspártico), proteína cinase dependente de AMPc (PKA), proteínas cinases reguladas extracelularmente (ERKs), proteína cinase dependente de cálcio e calmodulina (CaMKII), expressão gênica e síntese protéica em uma ou mais das seguintes estruturas: hipocampo, amígdala basolateral, córtex entorrinal e área pré-frontal ventromedial (Vianna et al., 2001, 2004; Milad & Quirk, 2002; Bevilaqua et al., 2006). A relação com uma ou outra estrutura depende da tarefa utilizada em animais (Myers & Davis, 2002); o córtex pré-frontal ventromedial parece ser necessário para todas, e nele a extinção se correlaciona com atividade elétrica específica e há necessidade de síntese protéica. A participação de várias dessas estruturas na extinção do medo aprendido foi confirmada por ressonância magnética funcional em humanos (Phelps et al., 2004).

Utiliza-se desde Freud (1959) a extinção na terapia do medo aprendido. Ele e seu discípulo S. Ferenczi a aplicaram em um caso de fobia, dando-lhe o nome de "habituação" (Freud não tinha simpatia alguma por Pavlov, para quem a habituação era outra coisa (Vianna et al., 2000)). O sucesso foi imediato e, a partir deles, a extinção foi largamente empregada no tratamento do medo aprendido (Rothbaum & Schwartz, 2002; Cammarota et al., 2003). Nos últimos anos, tem sido empregada como tratamento de escolha na terapia do TEPT (transtorno de estresse pós-traumático); alguns autores norte-americanos preferem chamá-la de exposure therapy (Beckett, 2002; Rothbaum & Schwartz, 2002). Na extinção, de fato, o terapeuta faz uma (sobre)exposição do paciente a fotografias ou a outras circunstâncias pertinentes ao trauma inicial, salientando a ausência de conseqüências perigosas ou assustadoras nessa exposição. Em trabalhos recentes, nosso grupo estudou de maneira paramétrica como pode ser feita essa sobreexposição do antigo estímulo condicionado sem conseqüências temíveis no rato; foi obtida uma extinção completa que requereu nova expressão gênica e síntese protéica no hipocampo para restabelecer a resposta original (Cammarota et al., 2003).

Repressão

Um dos postulados mais heurísticos de Freud foi o da repressão de memórias. Essa pode ser voluntária ou inconsciente. Na primeira, propomo-nos a cancelar a evocação de memórias que nos causam desagrado, mal-estar ou prejuízo: "Não quero me lembrar mais da cara daquele sujeito (ou daquele lugar, ou daquele incidente)". Na segunda, o cérebro faz isso por conta própria, para o qual evidentemente tem uma tendência autoprotetora. Há muitas evidências de que ambas as formas de repressão representam, essencialmente, a mesma coisa. Se o cérebro reprime determinada(s) memória(s), deverá ser em razão de um estímulo originado em algum lugar, seja esse voluntário ou não. Esse estímulo deve provir da própria memória, por definição.

Anderson et al. (2004) estudaram a atividade de várias áreas cerebrais na repressão voluntária, tomada explicitamente como exemplo das duas formas de repressão. Verificaram que no momento da repressão ativa-se o córtex pré-frontal ântero-lateral, concomitantemente com uma diminuição da atividade do hipocampo, área vinculada fortemente com a evocação.Ou seja, uma região diferente do córtex pré-frontal vincula-se com a repressão. Estudos recentes de nosso laboratório apontam, porém, para uma relação estreita entre ambas as regiões pré-frontais, em relação à construção de memórias de longa duração a partir da informação que elas processam durante a prática da memória de trabalho.

A extinção e a repressão não equivalem ao esquecimento real

Tanto as memórias extinguidas como as reprimidas podem voltar à tona, quer espontaneamente quer como conseqüência de estímulos específicos (Rescorla, 2001; Izquierdo, 2002; Cammarota et al., 2003). Não correspondem, portanto, ao conceito de esquecimento real, pelo qual as memórias efetivamente se perdem. Os mecanismos da extinção e da repressão são ativos e envolvem a inibição específica de uma ou mais memórias por intervenção de mecanismos nervosos determinados (córtex pré-frontal ventromedial, hipocampo, amígdala, córtex entorrinal em um caso; córtex pré-frontal ântero-lateral, hipocampo em outro). Na extinção, os mecanismos moleculares que a sustentam são em boa parte conhecidos (ver acima).

A persistência das memórias por períodos curtos também não corresponde ao esquecimento real

Há formas de memória que duram poucos segundos ou minutos (memória de trabalho) ou poucas horas (memória de curta duração).

A memória de trabalho retém as informações na medida em que essas vão aparecendo, essencialmente on-line ou por um curto tempo a seguir. Um bom exemplo é o da terceira palavra da frase anterior; todos a retiveram só o tempo suficiente para entender essa frase, e talvez a seguinte. A essa altura, já a perderam; se não voltarem atrás para relê-la, não a recordarão.

A memória de curta duração é um processo mnemônico desenvolvido no hipocampo e no córtex entorrinal, utilizando mecanismos em boa parte próprios e independentes das memórias de longa duração que ao mesmo tempo estão sendo geradas (Izquierdo et al., 1998). Dura no máximo seis horas e serve ao propósito de um albergue provisório para a informação que depois poderá ou não ser armazenada como memória mais estável ou permanente; corresponde ao que William James (1890) denominava "memória primária".

A maior parte dos componentes da memória de trabalho desaparece em segundos; os da memória de curta duração não persistem além de umas poucas horas, a menos que se tenha conseguido construir uma memória de longa duração ao mesmo tempo (Izquierdo et al., 1998; Izquierdo, 2002).

A não-persistência dessas memórias mais breves decorre de seu papel fisiológico e não implica esquecimento algum. Um jogador de futebol se lembrará da cara daquele jogador do time oposto que o perseguia durante o jogo; depois, especialmente se seu time ganhou, o esquecerá. Se for de algum adversário longínquo (coreano, suíço), esquecerá para sempre.

E as memórias que duram poucos dias?

Todos nós que alguma vez estudamos para uma prova (o vestibular, por exemplo) sabemos que há memórias que não persistem além da prova. Um ou dois dias depois as esquecemos para sempre.

Numerosos trabalhos demonstram que na construção de uma memória de longa duração são necessárias a expressão gênica e a síntese protéica nas primeiras três a seis horas, no hipocampo ou em outras regiões vinculadas a esse processo (cf. Cammarota et al., 2003; Izquierdo et al., 2006). Estudos recentes feitos pelo grupo de J. H. Medina em Buenos Aires, em colaboração com o nosso, sugerem que há um segundo processo que envolve síntese protéica no hipocampo doze horas depois da aquisição, pelo qual as memórias persistem para além das 48 horas depois de apreendidas. Esse processo pode se denominar "manutenção" e requer também pelo menos um fator neurotrófico (o BDNF) no hipocampo, ao mesmo tempo que requer síntese protéica, isto é, doze horas depois de ter adquirido uma memória.

O esquecimento real

Como vimos no início, porém, além das diversas maneiras que existem de inibir a evocação e/ou de "escantear" memórias, há muitíssimas dessas que se perdem inexoravelmente e de forma irreversível. Ninguém se lembra do que fez na tarde de 4 de agosto de 1996 ou na hora seguinte após ter visto determinado filme. A menos que essa data ou essa hora tenha coincidido com algum evento emocionalmente forte. As memórias com conteúdo emocional forte são gravadas com participação das vias nervosas que regulam as emoções, que agem estimulando vias enzimáticas hoje bem determinadas no hipocampo e outras regiões a ele ligadas (a via da PKA). Essas vias estimulam indiretamente a formação de novas sinapses como sustentáculo dessas memórias e essas costumam, assim, persistir muitos meses ou anos (Izquierdo et al., 2006).

Fora dessas memórias, as demais, no entanto, duram pouco tempo; e se não repetidas (se não revividas), desaparecem por falta de uso. A falta de uso causa atrofia das sinapses (Eccles, 1957), e isso explica desde há pelo menos cinqüenta anos por que as memórias nunca lembradas, assim como os movimentos não mais feitos ou os pensamentos nunca mais revisitados, desaparecem.

A memória é a função cerebral que mais se encaixa com o dito de que "a função faz o órgão". Se praticada intensamente, a memória como função não esmorece; se não recordada, dissolve-se no esquecimento. Muitos trabalhos recentes indicam como isso é possível (Nader, 2003; Rossato et al., 2006).

A melhor forma de manter viva a memória, em geral, é por meio da leitura (Izquierdo, 2002). A melhor forma de manter viva cada memória em particular é recordando-a. Como isso nem sempre é possível, e certamente não desejável, devemos nos aprimorar na prática da arte de esquecer, tão cantada pelos poetas, desde Ovídio até Borges.


(Iván Izquierdo; Lia R. M. Bevilaqua; Martín Cammarota)